sábado, 3 de setembro de 2011

Homenagem a Francisco Lins do Rego






Discurso proferido pelo presidente da AMPAL, Eduardo Tavares Mendes, em homenagem ao promotor assassinado, Francisco José Lins do Rego, por ocasião do 6o Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor, nesta Capital.

Minhas senhoras e meus senhores.




Com muita honra exerço a nobre missão de, nesta oportunidade, em nome do 6o Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor, em nome da Associação do Ministério Público de Alagoas, em nome da Confederação Nacional do Ministério Público, enfim, em nome do Ministério Público Nacional, prestar uma homenagem ao grade Promotor de Justiça Francisco José Lins do Rêgo Santos cuja vida, de tão valiosa e importante para a Nação Brasileira, foi ceifada abruptamente no dia 25 de janeiro do corrente ano pela ação de bandidos covardes e inescrupulosos que, a todo custo, procuram burlar a boa fé da sociedade brasileira .

Acostumado a velar pela proteção dos interesses maiores da sociedade, vocacionado para a defesa dos bens mais valiosos da humanidade, defensor intransigente das águas, das plantas, das flores, dos rios, do mar, do planeta terra, enfim, defensor ardoroso da vida, em todas as suas formas e manifestações, engajado, por último, no combate às fraudes contra o consumidor, o marte do Ministério Público Mineiro foi impotente para a preservação de sua própria vida. Deixou uma lacuna na história do combate à criminalidade, que tem marcado a trajetória do Ministério Público nacional.

` A melhor forma de celebrar a memória de Francisco José é exaltando a extensa obra por ele deixada. E , sobre a morte, diz Jorge Luiz Borges:




“ Acredito na imortalidade. Não só na imortalidade pessoal, mas, também, na cósmica. Permanecemos imortais: após a morte física fica a memória, permanecem os nossos atos, nossas realizações, nossas atitudes, toda essa maravilhosa parte da história universal, mesmo que não saibamos, e é melhor que não saibamos”

A obra mais notável deixada por Francisco José Lins do Rego foi a sua coragem, o seu compromisso com a justiça, com a sociedade e com a Nação brasileira.

Promotor de Justiça austero, desempenhava sua função com amor, com obstinação e, sobretudo, com fé. Acreditava na transformação da realidade social dura e cruel que tão seriamente aflige a população brasileira.

O homenageado nasceu na cidade do Rio de Janeiro e passou a sua infância nas cidades de Guiará e Curitiba, no Paraná. Era casado com Juliana Ferreira Lins do Rego e deixou dois filhos. Bacharelou-se em direito pela Faculdade Cândido Mendes do Rio de Janeiro, em 1984 e, dois anos depois, ingressou no Ministério Público de Minas Gerais, seguindo os passos do seu avô materno, que também foi Promotor de Justiça naquele Estado.

Atuou nas comarcas mineiras de Jaboticatubas, Santos Dumont, Contagem, Conselheiro Lafaete . Em Juiz de Fora exerceu as Curadorias de Defesa do Meio Ambiente, Consumidor e do Patrimônio Cultural, tendo ali uma atuação que lhe valeu o Título de Cidadão Honorário concedido pela Câmara Municipal.

Em Belo Horizonte, atuou na área criminal, no período de 1996 a 2000, quando foi designado para a Promotoria de Defesa do Consumidor, onde permaneceu até o trágico acontecimento que lhe arrebatou a vida.

Ultimamente, Francisco José Lins do Rego era responsável por vários procedimentos administrativos e inquéritos em andamento no Ministério Público, dentre os quais as investigações e denúncias contra postos que fabricavam e vendiam combustíveis adulterados; contra revendedoras de automóveis que praticavam propaganda enganosa de juros ZERO, além de apurar a falsificação de medicamentos e o desaparecimento de uma cápsula de césio no Hospital Luxemburgo. Combatia, ainda, o corte de fornecimento de energia e a cobrança de sobretaxa pelas concessionárias de energia elétrica e a cobrança da taxa de iluminação pública nas contas de energia.

Como se pode observar, grande era a atuação do promotor trucidado no exercício do dever

Mas, senhoras e senhores, Francisco José era, também, um homem sensível. Pai exemplar, esposo terno, companheiro dedicado.

Poeta, herdou do avô, o romancista e escritor nordestino José Lins do Rego, também o talento literário. Escritor, através da obra “ Inventário da Noite” publicou poemas escritos na adolescência. O livro que tem tom intimista e confessional, foi lançado em 1999 pela editora José Olympio, a mesma que divulgou as obras de José Lins do Rego nos anos 30 e 40.

Dos livros publicados por seu avô, declarava a sua predileção por “Menino do Engenho”, “Fogo Morto” e “Moleque Ricardo”, este último por abordar o problema social, sobretudo do homem que deixa o interior para ganhar a vida na cidade grande

Sobre a sua própria obra, Francisco José Lins do Rego afirmava:

“ é uma poesia comprometida com os sentimentos humanos, retratando a situação de angustia e indagações do homem diante dos desencantos e desencontros das metrópoles”

Nesse contexto, o seu livro retrata enfaticamente os personagens da noite:

“ São andarilhos, prostitutas, poetas e loucos, que saem na noite caminhando pelas ruas em busca de um sentido para seus passos”.

Sua identidade com José Lins de Rego revelava-se com bastante firmeza.

O avô romancista denunciava em suas obras as perversidades da sociedade patriarcal.

O neto promotor, enfrentando com coragem a máfia urbana, de certa maneira, continuava a obra ficcional do avô.

Em um dos seus poemas Francisco José diz:

“ Partida

Deveria deixar o mundo à noite

no diluir das paisagens,

e seguir o silencio noturno

do trem que desaparece...

entre dormentes e sombras.

Deveria deixar o mundo à noite

e não levar saudades do dia”.

Noutro, o poeta e promotor escreve:

“Na incerteza da manhã

Em que atravessamos calçadas

temendo os próprios passos,

as balas perdidas

e os sobressaltos das esquinas!”

Sobre suas influências poéticas visíveis no seu trabalho, são significativos os autores Thiago de Mello e Ferreira Gullar, cujos versos coloca na epígrafe do seu primeiro livro, não obstante sua notória preferência pela intuição e pelo lirismo que permeiam sua poesia.

A morte trágica do poeta e promotor Francisco José Lins do Rego põe fim, prematuramente, a uma carreira das mais brilhantes e vibrantes do Ministério Público. Perde o parquet brasileiro, sofre a literatura nacional.

É necessário que haja uma profunda transformação nas políticas sociais, econômicas e educacionais do Estado Brasileiro. É preciso, sobretudo, que haja uma preocupação maior com uma política de segurança pública que sequer existe no país. Prova disso é que, em praticamente oito anos do Governo atual, já contamos com a participação de sete ministros da justiça.

De outro lado, os poderes constituídos e a sociedade devem se conformar com a atuação dos Procuradores e Promotores de Justiça.

A delinqüência campeia porque, queira ou não, há, ainda, resquícios de conivência, dolosa ou culposa, omissiva e até comissiva, dos homens que controlam a Nação.

A atuação altiva e independente do Ministério Público tem incomodado muita gente. Até mesmo as autoridades públicas, não raro, condicionadas aos procedimentos antigos e ultrapassados, quando o autoritarismo a intolerância e o arbítrio dirigiam os seus atos administrativos, legalizados sob o manto da discricionareidade, não admitem ser fiscalizadas pelo órgão defensor do Estado de Direito e da Sociedade Democrática.

Não há como negar que haja uma difícil e profunda crise no relacionamento do novo Ministério Público com o velho funcionamento político estrutural dos poderes tradicionais.

Não podemos esquecer que parte dessas dificuldades é conseqüência, também, das deficiências do aparelhamento judiciário, da morosidade dos ritos, do medo das testemunhas, da burocracia e da má formação policial.

Não devemos olvidar, igualmente - porque não dizer ? - que influências externas, políticas e econômicas, as vezes procuram impedir que o Ministério Público atue livremente no exercício do seu mister.

Por incomodarmos os poderosos e desafiarmos os políticos corruptos e inescrupulosos, por combatermos o crime organizado, temos pago altos preços.

Institucionalmente, tentam nos empurrar a mordaça goela abaixo.

Pessoalmente, ceifam a vida de um dos nossos mais combativos agentes ministeriais. Onde vamos parar ?

Contudo, senhores, a cada dia nos fortalecemos. Mobilizamo-nos e a cada dia nos firmamos, mais ainda, como uma das poucas e verdadeiras esperanças do sofrido povo brasileiro.

Diante deste quadro deplorável, que bem retrata a realidade brasileira, neste mundo de tantos conflitos e em época de tanta violência, abrimos aqui um espaço para registrar o pensamento do Papa João XXIII, quando Sua Santidade dizia: “Justiça é o novo nome da paz. Promovam a Justiça e sejam os semeadores da paz.”

Justiça é o que pedimos.

Paz é o que esperamos.

A abnegação e a coragem, grandes qualidades da alma, são palavras de ordem no Ministério Público da atualidade.

Francisco José Lins morre mas nos deixa um legado. O seu exemplo de vida. A sua Coragem. A sua luta. E nada terá sido em vão.

A sua saga será a nossa bandeira de vida e muito contribuirá para que todos nós, Promotores e Procuradores de Justiça de todo o Brasil, ajamos, sempre, movidos pelos dois sentimentos que enobrecem a alma humana: o sentimento da paixão e o sentimento da esperança.

A paixão que revoluciona o espírito e que nos torna obstinados na defesa dos nossos sonhos.

A esperança, que no dizer do padre vieira é a doce companheira da alma. A esperança, sobretudo, de dias melhores para toda a sociedade brasileira e de uma vida mais digna para a população mais carente.

D. Juliana, parafraseando Olavo Bilac, nós membros do Ministério Público lhe afirmamos: “Quando um bravo morre, uma estrela aparece nova, no firmamento e a alma do que morreu, de momento em momento, na luz de que nasceu, palpita e resplandece.”

Receba um caloroso abraço de todo o Ministério Público brasileiro.

Muito obrigado.

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